Aníbal Cavaco Silva é um dos homens mais sortudos do mundo. É talvez um caso único no panorama político moderno (bom, o Bush filho será um candidato sério a rivalizar neste aspecto), o de um político que ganhou uma súbita notoriedade sem que tivesse mostrado as suas reais (ou inexistentes) qualidades. É de recordar que chegou à liderança de um partido graças a uma rodagem mecânica de um automóvel de marca francesa, por sinal com uma magnífica suspensão hidráulica. O concorrente derrotado no famoso congresso da Figueira da Foz em 1985 era bem mais conhecido - João Salgueiro -, primeira vítima da táctica de 'secar tudo à volta' imposta por Cavaco à sua passagem.
É igualmente de relembrar que o agora reeleito Presidente da República ganhou uma maioria absoluta, em 1987, literalmente oferecida por Ramalho Eanes com a famosa moção de censura apresentada no Parlamento pelo PRD (o que é feito do Hermínio Martinho?). Vivíamos tempos de vacas gordas com leite 'ultranatado' oferecido pela CEE. E as torneiras de Bruxelas debitavam milhões e milhões de contos de réis que asfaltaram autoestradas e vias de infantes sequiosos e orgulhosos de um Portugal europeu, colado numa linha da frente imaginária com os seus irmãos espanhóis e outros que tais.
A segunda maioria viria nesta sequência, a de uma política de betão desenfreado e sem fazer a vontade ao delfim (de Sá Carneiro, bem entendido) Pedro Santana Lopes, que pediu um Ministério da Cultura e recebeu uma Secretaria de Estado. Portugal mais parecia à época o reino medieval das grandes famílias aristocráticas do Norte que tão bem José Mattoso estudou - As estradas e os barões assinalados...
Depois dos governos veio o descanso sabático. Mas Cavaco não era homem para relaxar. Meteu-se a caminho de nova contenda eleitoral, desta vez com derrota perante bocados de bolo-rei cuspido em directo para as câmaras da televisão. Jorge Sampaio, o camarada camarário tornar-se-ia Presidente e Cavaco um fiel seguidor das vozes que o prometiam no Palácio de Belém logo que aquele o abandonasse.
Que vida facilitada teve Cavaco na sua marcha triunfal para o Pátio dos Bichos: concorreu contra um oponente de oitenta anos, desta vez sem a ingestão abrutalhada de bolos em directo, não fosse a massa estragar-lhe os planos. Seguiram-se cinco anos que resumem bem a sua estaleca para o mais alto cargo da Nação: poucas vezes falou (ainda esta noite foi o único candidato cuja declaração final não teve direito a perguntas dos jornalistas) e quando abriu a boca foi para não dizer nada de esclarecido (aquela declaração ao país acerca das escutas São Bento/Belém é memorável) para dizer lugares comuns sobre economia, ditames que qualquer estudante do secundário é capaz de perceber e de dizer. Tudo nele é previsível. O povo gosta disso. Eu não.