20 de julho de 2011

Enigma imaginado

Daqui por mil anos, haverá talvez um homem, de pé como eu por detrás dos vidros de uma janela, que observará como eu observo agora esta paisagem de casas por detrás das árvores e este céu de chuva primaveril. Tento imaginar que atravessei este grande espaço de tempo e que sou eu esse homem. Em que pensa ele? É feliz? Perguntar-se-á, por vezes, por que razão está na terra e porquê numa determinada época e não noutra? Em que acredita? O que vê? [...] Talvez aqui, neste exacto local onde me encontro, um bárbaro tenha sonhado com os homens do futuro.
Julien Green, Paris, Lisboa, Tinta-da-China, 2010.

28 de abril de 2011

A morte de um herói


Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

Morreu um dos meus heróis. Nada é eterno, só genialidade dos grandes autores. O primeiro contacto que tive com o seu nome foi no ensino secundário. Em História falava-se nos complexos histórico-geográficos de VMG. Lembro-me perfeitamente de olhar para aqueles quadros explicativos, com um pensamento estruturado e uma capacidade de síntese imbatível. O meu gosto pela História passou por aí. Fica-nos como herança milhares de páginas sobre o nosso passado mais longínquo ou mais recente. Ainda há pouco tempo foi reeditado um dos seus mais significativos livros, A Expansão Quatrocentista Portuguesa, com a chancela Dom Quixote, obra que terá uma atenção suplementar nesta edição da Feira do Livro que começa hoje. Isto de se morrer é bom para a carteira, que não a do próprio.

24 de janeiro de 2011

Plus 5

Aníbal Cavaco Silva é um dos homens mais sortudos do mundo. É talvez um caso único no panorama político moderno (bom, o Bush filho será um candidato sério a rivalizar neste aspecto), o de um político que ganhou uma súbita notoriedade sem que tivesse mostrado as suas reais (ou inexistentes) qualidades. É de recordar que chegou à liderança de um partido graças a uma rodagem mecânica de um automóvel de marca francesa, por sinal com uma magnífica suspensão hidráulica. O concorrente derrotado no famoso congresso da Figueira da Foz em 1985 era bem mais conhecido - João Salgueiro -, primeira vítima da táctica de 'secar tudo à volta' imposta por Cavaco à sua passagem.

É igualmente de relembrar que o agora reeleito Presidente da República ganhou uma maioria absoluta, em 1987, literalmente oferecida por Ramalho Eanes com a famosa moção de censura apresentada no Parlamento pelo PRD (o que é feito do Hermínio Martinho?). Vivíamos tempos de vacas gordas com leite 'ultranatado' oferecido pela CEE. E as torneiras de Bruxelas debitavam milhões e milhões de contos de réis que asfaltaram autoestradas e vias de infantes sequiosos e orgulhosos de um Portugal europeu, colado numa linha da frente imaginária com os seus irmãos espanhóis e outros que tais.

A segunda maioria viria nesta sequência, a de uma política de betão desenfreado e sem fazer a vontade ao delfim (de Sá Carneiro, bem entendido) Pedro Santana Lopes, que pediu um Ministério da Cultura e recebeu uma Secretaria de Estado. Portugal mais parecia à época o reino medieval das grandes famílias aristocráticas do Norte que tão bem José Mattoso estudou - As estradas e os barões assinalados...

Depois dos governos veio o descanso sabático. Mas Cavaco não era homem para relaxar. Meteu-se a caminho de nova contenda eleitoral, desta vez com derrota perante bocados de bolo-rei cuspido em directo para as câmaras da televisão. Jorge Sampaio, o camarada camarário tornar-se-ia Presidente e Cavaco um fiel seguidor das vozes que o prometiam no Palácio de Belém logo que aquele o abandonasse.

Que vida facilitada teve Cavaco na sua marcha triunfal para o Pátio dos Bichos: concorreu contra um oponente de oitenta anos, desta vez sem a ingestão abrutalhada de bolos em directo, não fosse a massa estragar-lhe os planos. Seguiram-se cinco anos que resumem bem a sua estaleca para o mais alto cargo da Nação: poucas vezes falou (ainda esta noite foi o único candidato cuja declaração final não teve direito a perguntas dos jornalistas) e quando abriu a boca foi para não dizer nada de esclarecido (aquela declaração ao país acerca das escutas São Bento/Belém é memorável) para dizer lugares comuns sobre economia, ditames que qualquer estudante do secundário é capaz de perceber e de dizer. Tudo nele é previsível. O povo gosta disso. Eu não.

23 de janeiro de 2011

Presidenciais 2011 OST

A banda sonora perfeita para acompanhar o cortejo fúnebre entre a Travessa do Possolo e o Centro Cultural de Belém: Damage (is done...) dos Yo La Tengo.

18 de janeiro de 2011

Lágrima de Preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão, Máquina de Fogo, 1961

17 de janeiro de 2011

Fortaleza de Juromenha





Situada no concelho do Alandroal, distrito de Évora, a fortaleza de Juromenha conta uma importante parte da História de Portugal. Foi conquistada aos mouros por Afonso Henriques em 1167 e perdida em 1191. Reconquistada definitivamente pelos portugueses em 1242, iria servir durante séculos como ponto militar avançado e debruçado sobre o Guadiana. As Guerras da Restauração motivaram diversos projectos de remodelação e fortificação, todos de autoria estrangeira, sinal de tempos em que faltavam nacionais com capacidades de engenharia militar no reino do então novel rei D. João IV. As obras arrancariam em 1646, denotando esta fortaleza uma traça de 'tipo Vauban', de modelo poligonal com duas cinturas muralhadas. No interior guarda as igrejas matriz e da Misericórdia para além de uma cisterna que abastecia a população local. O terremoto de 1755 destruiu parte da edificação seiscentista e a guerra peninsular no início do século XIX motivaria a sua ocupação com as tropas de D. Manuel Godoy até 1808.

Em 1920 o despovoamento acelerou uma decadência que ainda hoje pode ser testemunhada. Nem mesmo a classificação de imóvel de interesse público em 1957 conseguiu revitalizar um monumento/documento tão significativo do nosso passado colectivo. Juromenha, pela sua localização e beleza natural merecia outro tratamento por parte das autoridades (in)competentes. Já se falou de um complexo turístico para aquela área, mas até hoje nada foi feito. A porta principal está aberta para quem a quiser visitar, sem posto de turismo, guarda ou o que quer que seja. Recorda-me o santuário mariano do Cabo Espichel de arquitectura única no mundo. Eu, que ainda me lembro de ver roupa pendurada nas janelas do santuário e de sentir a respiração de uma já diminuta população piscatória que ali habitava em condições difíceis.

Andanças no Alentejo

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